sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A DOUTRINA DA FILIAÇÃO ETERNA


FIDES REFORMATA , VIII. N°- 1,(2003): 63-78

A DOUTRINA    DA FILIAÇÃO ETERNA
 
Heber Carlos de Campos*

RESUMO

Neste artigo o autor procura analisar um aspecto da cristologia relativamente esquecido nas publicações cristãs, e enfatiza a importância dele desde as primeiras formulações credais. O autor menciona e avalia alguns aspectos da filiação eterna negados por autores cristãos contemporâneos, assim como a suposta base bíblica usada por eles. Então, usa os argumentos retirados da Escritura, argumentos elaborados pelo raciocínio teológico e, finalmente, cita autores cristãos no decorrer da história da Igreja Cristã para defender a filiação eterna do Redentor, finalizando com os argumentos sobre a importância dessa filiação para o cristianismo da ortodoxia.

PALAVRAS-CHAVE

Cristologia; Filiação eterna; Ortodoxia, Teologia.

Não encontramos hoje muitos estudiosos que tratam da doutrina da filiação eterna de Jesus Cristo,1 que é o ensino do cristianismo histórico desde as formulações credais do Primeiro Concílio Geral da Igreja, realizado em Nicéia no ano 325 A.D. Mesmo nos compêndios clássicos de teologia, ou nos compêndios de história da teologia, não vemos ênfase à filiação eterna do Redentor. A razão disso talvez repouse na idéia de que o assunto já foi esgotado nos primeiros concílios gerais da igreja, e existe

* O autor é ministro presbiteriano, escritor e professor de teologia sistemática no Centro Presbiteriano Andrew Jumper. Obteve o seu doutorado (Ph.D.) em teologia sistemática no Concordia Theological Seminary, em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos.

1 Numa busca no ATLA, conseguimos encontrar somente umas poucas referências ao assunto da filiação eterna: ZELLER, George W.; SHOWERS, Renald E. The eternal sonship of Christ. Bibliotheca Sacra 152:106-107, jan.-mar. 1995  resenha; e uma publicação escrita por: STEPHENS, Brace M. A theological patois: the eternal sonship of Christ in New England Theology. Tallahasse, Flórida: American Religion, 1974 proceedings, preprinted papers for the Group on American Religion, American Academy of Religion, 1974.

HEBER CARLOS DE CAMPOS, A DOUTRINA DA FILIAÇÃO ETERNA


um real desinteresse na Pessoa de Cristo, em virtude da complexidade dos assuntos envolvidos ou, ainda, no fato de que esse assunto esbarra em conceitos teológicos com os quais muitas mentes hodiernas já não querem mais trabalhar. Por isso, há muitos cristãos sinceros e honestos que têm duvidado da eternidade da filiação divina de Cristo.

Este artigo tem a finalidade de trazer a lume alguns pontos desse assunto que geralmente têm sido esquecidos nas obras de teologia, mesmo aquelas que tratam do desenvolvimento do pensamento cristão.2

I  NEGAÇÃO DA FILIAÇÃO ETERNA

Geralmente, as pessoas que negam a filiação eterna admitem que antes da encarnação já havia a Segunda Pessoa. Todavia, elas crêem que    a noção de Filho apareceu somente na encarnação ou em outro período da vida do Messias, como em seu batismo, em sua ressurreição ou em sua exaltação à destra do Pai. 

Conquanto não neguem a divindade e a eternidade da Segunda Pessoa, elas negam que a sua filiação divina seja eterna.

Tais pessoas têm alguma semelhança com Ário (embora Ário negasse a divindade ontológica de Jesus e estes últimos não a negam), pois ele ensinava que D-us tornou-se Pai quando criou o Filho.

Dentre os que negam a doutrina da filiação eterna, há a menção, aqui, de um pregador contemporâneo famoso e muito lido em nosso país. Trata-se de John Mac Arthur Jr., que, por algum tempo, sustentou a posição de que Jesus Cristo passou a ser Filho de D-us somente na sua encarnação. Após um exame cuidadoso das Escrituras, ele humildemente admitiu mudar de posição, assumindo a postura histórica do cristianismo e crendo na filiação eterna do Verbo. Em seu artigo Re-examining the eternal sonship of Christ(Re-examinando a filiação eterna de Cristo), MacArthur confessa: 

Eu quero afirmar publicamente que abandonei a doutrina da filiação encarnacional. Um estudo cuidadoso e reflexão me trouxeram ao entendimento de que a Escritura, de fato, apresenta o relacionamento entre D-us o Pai e Cristo o Filho como um relacionamento eterno de Pai-Filho. Eu não mais considero a filiação de Cristo como um papel que ele assumiu na sua encarnação.3

2 Consulte as obras clássicas de teologia sistemática e você perceberá a ausência desta matéria. O que temos visto recentemente são autores free lancers que têm ousado tratar do assunto, ainda que não tenham publicado os seus escritos da forma convencional. Se você quer ter uma boa noção da doutrina da filiação eterna, verifique no site <www.graceonlinelibrary.org/theology/full.asp?ID=481>, artigos escritos por J. C. Philpot sobre The eternal sonship of the Lord Jesus Christ, em quatro partes, que podem dar uma idéia mais abrangente sobre essa importante matéria.

3 Disponível em: <http://www.biblebb.com/mac-h-z.htm>. Ver artigo no verbete Sonship, Re-Examining the eternal sonship of Christ.

FIDES REFORMATA , VIII. N°- 1,(2003): 63-78

I.I  PERIGO    DA NEGAÇÃO    DA FILIAÇÃO ETERNA

O ensino de que o Verbo tornou-se Filho na sua encarnação ou em outro período qualquer de sua vida terrena, traz prejuízo ao nosso entendimento dos relacionamentos internos da Trindade, porque, se o Filho não foi eternamente gerado do Pai, então também o Espírito não procedeu eternamente do Filho, como  preceituam os credos antigos. A negação da filiação eterna implica a negação da procedência eterna do Espírito da parte do Filho, porque a segunda é decorrente da primeira.

Quando negamos a noção da filiação eterna, também temos de negar a noção de paternidade eterna. Se não havia Filho eternamente, também não havia eternamente o Pai. Nesse caso, o ensino não ficaria distante do ensino de Ário, de que o Pai se tornou Pai somente quando criou o Filho. Quando as formulações de Nicéia são abandonadas, há o perigo de as relações intra trinitárias ficarem sem sentido, pois não haveria mais uma relação entre Pai e Filho, e a destes com o Espírito que deles procede eternamente, mas elas são substituídas pelas relações entre pessoas que poderíamos chamar de Número Um, Número Dois e Número Três.

I.II  TEXTOS  BÍBLICOS  USADOS    PARA    A  NEGAÇÃO    DA  FILIAÇÃO  ETERNA

Há vários textos bíblicos usados e interpretados indevidamente pelos que negam a filiação eterna do Redentor. Esses textos são analisados e respondidos pela corrente que afirma a filiação eterna.

I.II.I    FILIAÇÃO DIVINA    NO NASCIMENTO

Os opositores da filiação eterna do Redentor sustentam que, antes da encarnação no ventre da Virgem, o Verbo eterno existia, mas não o Filho eterno. Para eles, a filiação divina deu-se apenas quando historicamente o Verbo assumiu a natureza humana na encarnação. Portanto, o raciocínio é que a filiação divina deu-se na unio personalis, que é a união das duas naturezas numa só Pessoa.

As palavras usualmente empregadas para se referir à Segunda Pessoa (Filho e Verbo) revelam outra realidade. Ele é o Verbo porque é o Filho, não é Filho porque é o Verbo. O nome Verbo é devido às suas relações com as opera    ad extra, em virtude de ser a comunicação divina, embora esse nome seja eterno em virtude dos planos eternos de D-us em enviá-lo para ser Emanuel. Por que o Filho é chamado Verbo? Porque por meio dele, D-us, o Pai, se expressa. Portanto, o Verbo expressa quem o Pai é, justamente porque ele é Filho. Ele não se tornou Filho por ser primeiramente o Verbo, mas é o Verbo porque ele é primeiramente o Filho.4

4  PHILPOT, J. C. The eternal sonship of the Lord Jesus Christ. Part II. Ver site <http://www.graceonlinelibrary.org/full.asp?ID=479>.

HEBER CARLOS DE CAMPOS, A DOUTRINA DA FILIAÇÃO ETERNA

Um dos textos-chave usados pelos opositores da filiação eterna do Redentor é o de Lucas 1.35, em que lemos: Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de D-us. Segundo a anunciação do anjo à Maria, a partir do seu nascimento o Redentor seria chamado Filho de D-us, por uma ação sobrenatural do Altíssimo. Desse modo, no raciocínio dos opositores da filiação eterna, o ente santo passou a ser Filho de D-us depois de nascer.

Deve ficar claro que os que negam a filiação eterna do Redentor não negam necessariamente a divindade do Verbo. Eles crêem que a natureza humana do Redentor foi unida à sua Pessoa divina; todavia, eles crêem que o Redentor foi tornado Filho de D-us somente após o evento em Belém.

Dessa forma, a filiação torna-se conseqüência da encarnação, isto é, na unio personalis.

Todavia, o texto de Lucas 1.35 não afirma que o ente santo se tornaria Filho de D-us, mas que seria chamado Filho de D-us. Isso significa que ele seria reconhecido como Filho de D-us, não como simplesmente um filho de Maria. Além disso, não há nenhum registro nas Escrituras em que a natureza humana do Redentor seja chamada de Filho de D-us.

Não há como fugir da ideia de que a pessoa complexa do Redentor é que seria chamada de Filho de D-us, assim como ela é chamada de Filho do homem. Qualquer um desses nomes refere-se à Pessoa completa do Redentor, em virtude da união das duas naturezas na Pessoa do Verbo.

Certamente, o anjo anunciador quis que aquela criança santa fosse  reconhecida pelos homens como Filho de D-us, sendo a sua designação principal. O anjo não estava dizendo que a natureza humana daquela criança se tornaria divina, mas que aquele ente santo deveria ser reconhecido como Filho de D-us, porque nele estavam unidas as duas naturezas numa só Pessoa divina.

A fim de ser coerente com a insistência quanto ao Redentor ser Filho de D-us no nascimento somente, dever-se-ia manter que ele não é Filho do Pai, mas filho do Espírito Santo, que foi quem operou miraculosamente em Maria envolvendo-a com a sua sombra. A ideia de Filho do Espírito Santo tornaria o problema ainda muito maior. A explicação do anjo foi para clarear o mistério da concepção para Maria.

I.II.II  FILIAÇÃO DIVINA  NA RESSURREIÇÃO

Outro texto bíblico freqüentemente usado por aqueles que negam afiliação eterna do Redentor é Atos 13.32-33:

Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como D-us a cumpriu plenamente a nós, seus filhos,    ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.

FIDES REFORMATA , VIII. N°- 1,(2003): 63-78

O argumento dos opositores da filiação eterna, nesse caso, é que a geração do Filho deve ser entendida como ocorrida na ressurreição. Portanto, o Redentor torna-se Filho de D-us no evento da encarnação.

Contudo, não é esse o sentido que o texto proporciona. A ressurreição é que haveria de atestar da filiação divina de Cristo. Os homens veriam no ressurrecto a manifestação do Filho de D-us. O Pai já o havia proclamado duas vezes como Meu Filho antes da ressurreição (Mt 3.17; 17.5). É lamentável que estudiosos ignorem o testemunho do próprio Pai a respeito de seu Filho.

Discípulos de Cristo, e mesmo aqueles que não eram seus discípulos,reconheceram a filiação divina do Redentor antes da sua ressurreição, por exemplo, Pedro e o soldado romano respectivamente (cf. Mt 16.16 e Mt27.54). À luz desses textos, ninguém deveria interpretar Atos 13.32-33 como se referindo à filiação divina do Redentor acontecida na ressurreição.

Aqueles que negam a doutrina da filiação eterna ainda apelam para otexto de Romanos 1.3-4, insistindo que a filiação divina deu-se na ressurreição do Redentor. Nesse texto, Paulo afirma:

Com respeito ao seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de D-us com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor.

O argumento dos opositores da filiação eterna seria mais ou menos este: Quem se fez carne foi o Verbo, não o Filho de D-us. Ele se tornou Filho de D-us quando da ressurreição conforme o texto de Romanos 1.3-4.

Em resposta, o Cristianismo histórico afirma que, se as frases italicizadas dos versos acima forem tomadas isoladamente, a posição dos opositores da filiação eterna parecerá correta. A totalidade dos versos, porém,não corrobora tal interpretação. Em primeiro lugar, o verso 3 começa dizendo: Com respeito ao seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi. Essa parte do verso mostra que, antes de ser segundo a carne, isto é, antes de se encarnar, ele já era Filho de D-us. Em segundo lugar, a expressão com respeito ao seu Filho revela a relação preexistente à encarnação, entre a Primeira e a Segunda pessoas da Trindade. Logo, antes de existir como homem  filho de Maria ou o filho deDavi  ele já existia como Filho de D-us.

Romanos 1.3-4 fala tanto da humanidade como da divindade do Redentor, mas antes de haver a encarnação e a ressurreição, o Redentor já era chamado Filho de D-us e, portanto, existia como o Filho eterno de D-us.

Antes da encarnação, havia o Verbo, e antes da encarnação havia o Filho.

Os textos de João 1.1, 14 e Romanos 1.3-4 falam da divindade e da filiação eterna do Redentor. Portanto, a filiação divina não se deu na encarnação nem na ressurreição, pois essa filiação é eterna.

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Heber Carlos de Campos*

*O autor é ministro presbiteriano, escritor e professor de teologia sistemática no Centro Presbiteriano Andrew Jumper. Obteve o seu doutorado (Ph.D) em teologia sistemática no Concordia Theological Seminary, em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos.

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